Meu grito de dor proporciona forte experiência
Publicado em 28.01.2010
Eugênia Bezerra
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Sofrimento físico e mental, um clima surreal e sombrio, mistérios e surpresas. Esta combinação é experimentada no interessante Meu grito de dor, espetáculo de dança-teatro que o Coletivo Dois Contemporâneo (MG) trouxe ao Recife para o 16º Janeiro de Grandes Espetáculos. A apresentação lotou o Teatro Armazém, na terça-feira passada (com direito a fila de espera).
Por falar em fila, foi nela que a platéia começou a vivenciar a proposta do espetáculo. Uma pessoa de rosto enfaixado permaneceu sentada em uma cadeira em silêncio. Meu grito de dor é inspirado em pensamentos do poeta, escritor, dramaturgo e ator francês Antonin Artaud (1896-1948). O autor de O teatro e seu duplo sofreu na pele – foi considerado louco e internado em hospitais psiquiátricos. Uma pesquisa sobre a história da arte (em especial do surrealismo e dadaísmo) também foi realizada pelos intérpretes-criadores Gessé Rosa e Jefferson Cirino.
Já dentro do teatro, o mergulho neste universo continua em uma atmosfera sombria e ao som de uma música formada por ruídos e sons guturais, executada ao vivo por Natanael Mariano. Sentada nas arquibancadas ou cadeiras, a platéia assiste à primeira cena. Depois é levada pelo teatro para assistir as outras passagens, que são encenadas (ou experimentadas) em ambientes diferentes. Esta escolha não é gratuita e, além de criar imagens plasticamente interessantes, acaba contribuindo para a dinâmica do espetáculo e a sensação de estranhamento que se instala no público. Uma agulha de verdade sobre a pele, movimentos em que um ser parece forçar a sua presença ao outro, atitudes sádicas e gritos estão no repertório, tudo bem próximo da platéia. Sabe aquele constrangimento ao ver alguém tropeçar, a agonia ao assistir a uma cena forte de um filme ou a mesmo as diferentes reações que podem ser despertadas nas pessoas ao dar de cara com a loucura e realidade humanas? Neste campo delicado, estranhamento e curiosidade apareceram nos rostos de quem não sabia se ria da situação (mesmo que por nervosismo) ou ficava quieto. Se seguia o ator, ou permanecia sentado.